Imagens recorrentes do operário brasileiro: montagens em dois tempos de cinema

Abstract

A presente tese de doutorado busca localizar e compreender como algumas imagens de operários sobrevivem e se atualizam em obras do cinema brasileiro. Especificamente, trata-se de trabalhadores de fábrica e da construção civil. O recorte se dá em dois momentos históricos da produção audiovisual: o período de 1978-1983 e o de 2015-2020. Além de uma concentração mais numerosa de títulos, ambos apresentam cenários particulares da realidade do operário brasileiro. O primeiro se dá no período das grandes greves, especialmente aquelas do ABC paulista, durante a ditadura militar. Já o segundo compreende o período pós-golpe parlamentar, com as reformas trabalhistas e as profundas mudanças no mundo do trabalho a nível global. Como objeto de estudo, incorporamos à pesquisa dezesseis filmes entre longas e curtas-metragens, documentários e obras de ficção. Incluindo a instância subjetiva do pesquisador, se propôs uma metodologia que se apropria das imagens e oferece montagens de fragmentos a serem analisadas. Dos filmes, foram recortados fatos, gestos, elementos e/ou espaços que se repetem entre as obras selecionadas. A partir dessas recorrências, os recortes foram agrupados nas montagens em categorias, nas quais os tempos abordados na pesquisa coexistem. O entendimento da imagem dialética elaborado por Walter Benjamin (2009) fundamenta tal processo, assim como o de imagem sobrevivente em acordo com Georges Didi-Huberman (2011; 2013). Os conceitos de imagem central, de duração e cristalização do tempo a partir do choque entre as imagens, são mais bem compreendidos à luz de Henri Bergson (2006; 2010) e Gilles Deleuze (2012; 2018). As montagens e suas categorias, que não se querem definitivas, possibilitaram reflexões a partir de três linhas de tendências que sistematizam o processo de análise de imagens na pesquisa.São elas: I) os espaços onde o operário exerce seu trabalho e a relação com o corpo e seus desdobramentos, como a exaustão e o acidente; II) os operários em confronto (entre si ou com instâncias hierárquicas superiores, como patrões e o Estado), as manifestações coletivas e as figuras de liderança; III) os personagens fora de seus espaços de trabalho, em seus deslocamentos e em suas relações de intimidade. Percorrem, em todo o processo de análise, reflexões sobre o que é da ordem do coletivo e do individual. A questão sublinha realidades distintas do operário, ora organizado em frentes massivas, ora individualizado pelas próprias transformações no mundo do trabalho. Em paralelo, uma atenção maior ao sujeito, incorporando olhares que incluem aspectos subjetivos e identitários, apresenta camadas que tornam o retrato mais complexo. Ao final, é notável a recorrência de certas imagens nestas determinadas narrativas e suas especificidades que, entre um tempo e outro, manifestam a realidade do trabalhador em diferentes contextos. Além disso, as montagens captam as tendências estéticas que o cinema, em diferentes períodos, adota para expressá-la.

This thesis seeks to locate and understand how some images of workers survive and are updated in works of Brazilian cinema, specifically the characters from factory and construction work. Two historical moments of audiovisual production are considered: the period from 1978-1983 and from 2015-2020. In addition to a more numerous concentration of titles, both present particular scenarios of the reality of the Brazilian worker. The first takes place during the period of major strikes, especially those in the ABC region of São Paulo, during the military dictatorship. The second comprises the period after the parliamentary coup, with labour reforms and profound changes in the world of work at a global level. As an object of study, we incorporated sixteen films into the research. Among them, feature and short films, documentaries and works of fiction. Including the subjective instance of the researcher, we proposed a methodology that appropriates the images and offers montages of fragments to be analyzed. From the films, facts, gestures, elements and/or spaces that are repeated among the selected works were cut out. From these recurrences, the images were grouped in the montages into categories, in which the times addressed in the research coexist. The understanding of the dialectical image developed by Walter Benjamin (2009) underlies this process, as well as the surviving image in agreement with Georges Didi-Huberman (2011; 2013). The concepts of central image, duration and crystallization of time from the clash between images are better understood in the light of Henri Bergson (2006; 2010) and Gilles Deleuze (2012; 2018). The montages and their categories, which are not intended to be definitive, allowed for reflections based on three lines of trends that systematize the process of image analysis in the research.They are: I) the spaces where the worker performs his work and the relationship with the body and its consequences, such as exhaustion and the accident; II) workers in confrontation (with each other or with higher hierarchical instances, such as bosses and the State), collective manifestations and leadership figures; III) the characters outside their work spaces, in their movements and in their intimate relationships. Throughout the analysis process, reflections on what belongs to the collective and the individual run through. The issue underlines different realities of the worker, sometimes organized in massive fronts, sometimes individualized by the transformations of the world of work. In parallel, greater attention to the self, incorporating angles that include subjective and identity aspects, presents layers that make the portrait more complex. In the end, it is notable the recurrence of certain images in these narratives and their specificities that, between one time and another, manifest the reality of the worker in different contexts. In addition, the montages capture the aesthetic trends that cinema, in different periods, adopts to express it.